Schumacher College
Tivemos o privilégio de viver uma semana na inglesa Schumacher College. O Larusso durante as viagens da Expedição Liberdade, se inscreveu na Schumacher Experience. O Cuducos, meses mais tarde, no Complexity and Collaboration. E “viver” na escola não é só uma expressão. É viver mesmo, sentir a riqueza de uma mistura de casa, ecovila e universidade. Grande parte do valor de estar na Schumacher é mergulhar nessa atmosfera. Ser parte da comunidade, conviver em um ambiente leve, acolhedor e consciente. Acordar, meditar, comer, trabalhar e dormir faz parte da vida na Schumacher.
Aprendizado transformador para uma vida sustentável, esse é o norte teórico e a prática diária. A partir de um profundo entendimento ecológico, holístico e complexo sobre o mundo, a Schumacher é muito coerente em cada detalhe: do cozinhar alimentos plantados lá à festa semanal sem energia elétrica. E a transformação que norteia a escola vem de dentro de nós mesmos, catalisado pela imersão no estilo de vida que eles põe em prática no dia-a-dia.
A Schumacher fica na pequena cidade de Totnes, há umas 4 horas de trem de Londres. É um pacato refúgio em uma pequena cidade alternativa. Os 8 mil habitantes de Totnes podem se orgulhar por ela ser uma das cidades mais funky do mundo. Uma Búzios, só que sem praia, nem badalação, e com todo o jeitão do interior inglês. No centro da cidade, que fica há uns 15 minutos de ônibus da escola, você pode encontrar artistas, músicos, sebos, brechós e lojas com alimentos naturais. Mas, durante o curso, se você ficar nas acomodações da escola, esse pequeno universo paralelo passa despercebido. Dá pra passar muito tempo se encantando com as dependências da Schumacher, um mundo a parte, que vai de um casarão do ano mil seiscentos e bolha (“o Old Postern é de 1328”, Felipe Cunha), aos campos de cultivo, alojamento e livraria. E, claro, ficar hospedado lá é a melhor forma de imergir na teoria e na prática proposta pela escola.
Nossos cursos
O curso que o Larusso fez é uma chance de provar um pouquinho de tudo que rola por lá, em seis dias. Foi um momento para relembrar do que realmente importa na vida, através de dinâmicas, conversas significativas e aulas. Além de duas facilitadoras, um professor convidado por dia guiava o grupo. Os participantes eram uns 20, vindos de vários cantos do mundo: México, Japão, Turquia, Austrália, Hong Kong e países europeus. Jovens e seniores, todos excepcionais em suas áreas, engajados em um outro jeito de cuidar da educação, negócios, organizações, nós mesmos e da Terra. Todos criaram um enorme senso de comunidade, trabalhando juntos, compartilhando questões íntimas e renovando as esperanças. Por uma semana, juntaram superpoderes e liberaram o Capitão Planeta que existe em cada um de nós.
A Schumacher Experience pode ser um bom início de caminho pra quem pretende conhecer mais sobre a escola, talvez antes de se comprometer com um dos programas de pós-graduação que tem a duração de mais ou menos um ano. São eles: Ciências Holísticas, Economia para Transição, Horticultura e Produção de Alimentos Orgânicos, e, o mais novo, Design Thinking Ecológico. Acontecem também vários cursos curtos ao longo do ano, como os que cursamos. Esses são sempre profundamente ligados à sustentabilidade e à nossa complexa relação com o todo, com a natureza, com o mundo, com gaia. Sobre essas áreas, a escola costuma receber algumas das maiores referências do mundo: Fritjof Capra, Vandana Shiva, Stephan Harding e o fundador Satish Kumar são alguns dos nomes.
O curso que Cuducos fez é um desses que acontecem ao longo do ano. Complexity and Collaboration revela a abordagem que está por trás da ecologia da Schumacher College. Todo ano, Eve Mitleton-Kelly visita a escola para compartilhar seu conhecimentos na área de teoria complexa e consultoria – e assim surgiu esse curso. Se juntam a ela colaboradores da Schumacher, ex-alunos e professores fixos de lá. O forte da atividade é ver como a abordagem a partir de sistemas complexos é vista tanto na academia – já que Eve é professora na LSE, uma das melhores universidades da Inglaterra – quanto no mercado – já que boa parte do curso fala de casos nos quais Eve e seu grupo de pesquisa foram procurado para prestar consultoria a empresas (do pequeno Dartington Hall Trust, instituto no qual a Schumacher College está inserida, à gigante Rolls-Royce). O grupo desse curso também era eclético em termos de nacionalidades: tinha gente da Colômbia, do Brasil, da Austrália, da África do Sul, da Nova Zelândia, da Bélgica, da Alemanha, da Índia, da França e, claro, da própria Inglaterra. O perfil profissional era um pouco menos variados: muitos tinham experiência em áreas como consultoria, coaching, empreendedorismo ou pesquisa e inovação.
Apesar de parecer um curso mais tradicional a turma do Complexity and Collaboration não escapa da atmosfera da escola. Laços de confiança e o sentimento de pertencimento a uma comunidade são sentidos à flor da pele. Parece que o lugar é mágico. Com o passar dos dias percebe-se que a forma de acolher e de dividir as responsabilidades debaixo de um mesmo teto é feita de um jeito que te reconecta com a complexidade do mundo, da natureza, da humanidade. Na bolha Schumacher College, precebemos ainda mais a carência desse sentimento de comunidade, e passamos a ver nossas relações com um outro olhar – justamente o da complexidade da nossa relação com os outros, com a natureza, com as formas de gerir nossos recursos etc.
Schumacher College, Brasil e brasileiros
O que não falta na Schumacher são brasileiros. Durante nossa estada, conhecemos por volta de uma dúzia de brasileiros lá. Descobrimos que, depois dos britânicos, somos o maior grupo de ex-alunos. Mais de 200 já estiveram por lá. Não à tôa, acontecem encontros em São Paulo de ex-alunos de lá. Há alguns meses, rolou um em que, além dos brasileiros, o diretor da escola Jonathan Rae e a professora Patricia Shaw também estiveram presentes. O Larusso participou de um encontro na Inglaterra, ainda na Schumacher, em que eles mostraram fotos e dividiram suas impressões sobre a visita ao Brasil. Demonstraram uma visão muito positiva do país, da nossa capacidade de criação e das várias iniciativas no campo da sustentabilidade que, apesar de parecerem dispersas, estão acontecendo a todo vapor por aqui.
Tangibilizando o sutil
Em momentos como esse, nos damos conta do que tanto nos atrai nas escolas além-mar. Mais de 20 anos de história, recebendo pessoas de todo o mundo, dão muita credibilidade e muita consistência. A Schumacher tem a capacidade de dar clareza e tangibilizar um campo tão subjetivo, espiritualizado e complexo como a sustentabilidade, a ecologia e a percepção holística de mundo. Percebemos muita excelência no aterramento, no ato de objetivar e tornar visível o conhecimento. O aprendizado está nos livros publicados pela escola, nas aulas bem trabalhadas, nos espaços bem cuidados, nos conceitos difundidos pelo mundo, nos cursos que eles promovem periódica e sistematicamente. E também no dia-a-dia, nas mãos que manejam ferramentas para plantar e cozinhar o próprio alimento, nos encontros diários em torno da lareira, no tratamento dos resíduos, nos voluntários que constituem e contribuem pra comunidade. O sutil e o objetivo estão em toda parte, harmonicamente. O aprendizado de anos se reflete na prática diária.
Talvez o maior exemplo dessa coerência seja o trabalho em comunidade. Diariamente, estudantes, voluntários, professores, funcionários, diretores, todo mundo põe a mão na massa. Pontualmente às 8h30, o gongo chama uma pequena reunião matinal. Todos em círculo, muito centrados, presentes integralmente. Em quinze minutos, conversamos sobre o dia que se inicia, compartilhamos leituras, fazemos nossos corpos e cabeças acordarem e repassamos nossas tarefas. Grupos se revezam entre jardinagem, limpeza e cozinha por uns 45 minutos. O cuidado com o espaço é tão importante quanto o cuidado entre as pessoas. É no trabalho em grupo que fazemos o que deve ser feito para manter a vida em harmonia na Schumacher College.
O fim desse mundo
Além da prática, a teoria é levada a sério. Uma enorme e linda biblioteca é um mar de silêncio e concentração. Alguns dos maiores especialistas do mundo varrem o chão e também dão aulas sobre gaia, teoria da complexidade e economia para a transição. Nelas, sentimos que nos últimos 20 anos tomamos maior consciência do cenário perigoso que construímos. As ações do homem colocam em risco a vida no planeta. Vivemos uma crise espiritual, econômica, social e ecológica, a tragédia tá desenhada.
Mas calma. Vai ficar tudo bem. Está tudo bem. Temos fé. Entendemos que a esperança mora nessa mesma casa, no planeta Terra. A educação holística que a Schumacher propõe diz exatamente isso: temos que cuidar da nossa casa, seja ela a própria Schumacher, seja o planeta. A colaboração e tecnologias que nos conectam e distribuem poder podem ser um caminho pra reestabelecer a harmonia da vida por aqui. Os slides do professor Jonathan Dawson, diretor do curso Economia para Transição, trouxeram exemplos familiares, principalmente nas bandas de cá, nas bandas do Estaleiro Liberdade: financiamento coletivo, consumo colaborativo, uma nova economia baseada em valores para além do dinheiro. O que estamos fazendo, amigos, é muito maior do que podemos enxergar.
Quando vocês saírem das suas universidades, não procurem um emprego. Criem seus empregos. Quando você se torna um empregado, você suspende sua criatividade, você suspende sua imaginação. E você está apenas seguindo as ordens do seu chefe, da sua compania, das regras e regulamentações… e você tem pouquíssimas chances de ser você mesmo(a), de ser o seu eu-criativo(a).
— Satish Kumar, fundador da Schumacher College
Head, heart and hands
Por trás do aprendizado transformador para uma vida sustentável, esse é o lema da escola: unir cabeça, coração e mãos – o pensar, o sentir e o fazer. Se até agora falamos muito do coletivo, da comunidade, do mundo, de gaia, vale lembrar que antes da reunião diária das 8h30 tem um outro gongo, às 7h15 da manhã. Nessa hora quem quiser se dirige à sala de meditação. Muitos dos alunos, voluntários e até alguns professores ficam por ali, nas acomodações oferecidas pela própria escola. Quando toca o gongo, ninguém fala nada, mas quem está disposto entra, se senta confortavelmente e tem 30min de meditação – antes mesmo do café da manhã.
Assim, fecha-se o ciclo. Toda a carga de conteúdo dos anos e anos de experiência da Schumacher College e de seus professores (head) não fazem sentido sem momentos mais introspectivos como a meditação (heart), nem sem o envolvimento com o que se faz, na prática por lá (hands), que vai desde o cultivo e preparo dos alimentos, passando pelos cuidados com a casa, e indo até a execução dos projetos de pesquisa que fazem parte dos cursos. É isso que colocamos no nosso infográfico: esse tripé que possibilita que o olhar profundamente ecológico empodere a Schumacher a falar não só da natureza, mas de nós mesmos, da forma como nos relacionamos, como produzimos, como consumimos, como criamos um estilo de vida específico – e, evidente, a empodera para criticar e propor alternativas a esse estilo de vida.
Mais referências para vocês
Do nosso envolvimento e das nossas explorações sobre a Schumacher College tiramos mais algumas coisas que vocês podem gostar. Fechamos o post com mais coisas sobre a Schumacher com as quais aprendemos muito e com as quais achamos que podemos transmitir melhor o que sentimos ao estar lá.
Volta ao mundo em 13 escolas, pelo Coletivo Educ-Acão
A Schumacher College mereceu um capítulo nesse livro que também trata de alternativas no cenário de educação, e que também foi financiado através do Catarse. Tem uma cópia do livro lá na biblioteca da Schumacher, mas você pode baixar o livro digital, é gratuito.
Uma nova economia, por Felipe Cunha
O Felipe Cunha é um carioca que conhecemos lá na Schumacher College. A pesquisa de mestardo dele, dentro do programa de Economia para Transição, trata da nova economia. Ele mantém um blog sobre o tema e sobre a sua experiência na Schumacher. Para esse blog ele tem produzido alguns vídeos curtos com convidados — então compartilhamos alguns deles:
Perguntas & respostas com Tomás de Lara
Há um tempo atrás, conversamos com o Tomás, que também passou pela experiência da Schumacher College. Pedimos a ele que respondesse perguntas simples, e aqui vai o que ele nos contou:
Por que a Schumacher College é importante para você?
Acredito muito que a transformação que ocorre por dentro reflete diretamente em nossa relação com as outras pessoas, com a natureza e com o todo em nossa volta. A Schumacher College foi o lugar o qual eu tive a experiência de transformação interna mais intenso, mudando assim muitas crenças e paradigmas que eu cultivava há anos.
A vivência em uma comunidade sustentável, de cultura colaborativa e profundamente ligada ao autoconhecimento e à espiritualidade é profundamente prazerosa. Nos trás um novo olhar e modifica positivamente nossos costumes de consumo, trabalho, produção e o viver em sociedade.
O que é a Schumacher College pra você?
É para mim o mais avançado think and do tank da nova economia, desta economia mais sustentável e colaborativa que iremos ver tomar forma nestes próximos 30 anos.
TEDx do Satish Kumar
Por fim, conheçam o Satish Kumar. Ele, nada mais nada menos, fundou da Schumacher College. Se você leu até aqui, acho que vai querer conferir esses vídeos!